segunda-feira, 9 de março de 2015

"Uma Vida ao Teu Lado", de Nicholas Sparks



Uma Vida ao Teu Lado”, de Nicholas Sparks, pareceu-me a leitura ideal, depois da complexidade d’O Pintassilgo. A escolha foi totalmente alheia ao facto de o filme com o mesmo nome estar prestes a estrear nos cinemas (ainda não vi o trailer com receio de contaminar a minha imaginação).

Este é o segundo livro que leio de Nicholas Sparks e sei que não desiludiu os fãs do autor: duas histórias de amor, com tempos e ritmos diferentes, mas que se entrecruzam de uma maneira original, dando origem a um final surpreendente, que só é revelado nas últimas páginas do livro.

No entanto, as páginas finais são mesmo as mais emocionantes, porque nunca me senti verdadeiramente comovida com o romance entre Sophia e Luke, que é demasiado previsível.. a história entre os dois jovens é igual a tantas outras que já vimos em filmes americanos do tipo "rapaz conhece rapariga,  apaixonam-se e no fim ultrapassam todas as adversidades", ou naquela literatura de "cordel" mais ligeira. Tendo adorado uma das outras histórias de amor do autor que li recentemente - o livro "Uma Promessa Para Toda a Vida", esta desapontou-me por ser tão linear e, consequentemente, tão desinteressante.
Salva-se a história do amor intemporal entre Ira e Ruth, cujo interesse em comum pela arte os transformou num dos grandes colecionadores de arte contemporânea do século XXI.
 
É uma leitura leve, adequada aos dias de Primavera que se avizinham. Funcionou bem como livro de “transição”, como se fosse um sorvete de limão e hortelã que ajuda a limpar o palato após uma bela refeição.

✰✰✰ (3 em 5) 

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2015

"O Pintassilgo" de Donna Tartt


Uma bomba explode no Metropolitan Museum of Art, em Nova Iorque. Nesse dia, com apenas 13 anos, Theodore Decker perde a mãe, mas ganha um quadro e um anel de sinete.

O quadro é o famoso "O Pintassilgo" de Fabritius, um discípulo de Rembrandt, considerado um génio perdido entre as grandes figuras da pintura holandesa do século XVII. Todas as subsequentes 800 e tantas páginas giram em torno desta obra de arte, cujo incalculável valor (sentimental para Theo, artístico e patrimonial para a humanidade) a transformam em objeto de admiração e cobiça.

O anel de sinete era pertença de um idoso que estava no museu com a neta e um objeto que acaba por determinar o percurso de vida de Theo, que segue o rastro desse anel até um antiquário, um local que será determinante no seu futuro.

Simultaneamente talismã e maldição, o quadro "O Pintassilgo" acompanha todo o percurso de Theo, de Nova Iorque a Las Vegas, e posteriormente até Amesterdão.

Órfão de mãe, Theo parte com o pai para Las Vegas, levando consigo em sigilo o famoso quadro e um desgosto que lhe parece inultrapassável. É lá que conhece Boris, uma das personagens mais cativantes deste romance, e com o qual se tenta reinventar através do esquecimento e fragmentação que só o álcool e as drogas podem proporcionar.

Quando regressa a Nova Iorque, Theo já é um adolescente quebrado por dentro: nunca recuperou da experiência traumática vivida no dia do atentado e nunca há-de emergir do ciclo vicioso iniciado em Las Vegas - os opiáceos eram a única fuga possível, catapultando-o para uma dormência tolerável.

O que se segue já faz parte da enredo do próprio livro. Theo volta à loja de antiguidades, à qual ficou irremediavelmente ligado desde que aceitou o anel de sinete das mãos do velho Welty, naquele dia fatídico.

A atribuição das 3 estrelas prende-se exclusivamente com a dimensão monstruosa do livro: são quase 900 páginas, indispensáveis para a total compreensão da narrativa, é certo, mas de certa forma cansativas e desmotivantes a partir do último terço da obra. Ainda assim, é uma história que vale a pena: a profundidade e complexidade das personagens, bem como a forma como a autora tece todo o enredo são, de facto, dignos do prémio Pulitzer para a ficção, que ganhou em 2014.

✰✰✰ (3 em 5)

segunda-feira, 22 de dezembro de 2014

"Quando a Neve Cai", de John Green, Maureen Johnson e Lauren Myracle

Desde que li o livro "A Culpa é das Estrelas" que John Green tem um lugar muito especial na minha estante. Embora as obras deste autor sejam classificadas como "literatura para jovens adultos", não houve um único livro que me tenha feito sentir desconfortável ou que considerasse desadequado por já não ser uma adolescente. Pelo contrário, as perspetivas mais lineares de John Green, que decorrem do facto de o autor construir os seus enredos em torno dos pensamentos, ansiedades e expectativas comuns a todos os adolescentes, permitem a um público mais adulto e maduro um tipo de identificação que só é possível a quem já viveu "dramas" semelhantes num passado mais distante.

O distanciamento com que um adulto lê as obras de John Green é confortável e terapêutico: a adolescência é um período muito conturbado e certos acontecimentos dramáticos (uma doença, uma separação, uma ausência) têm proporções épicas e desencadeiam uma série de sentimentos e sensações com as quais estes jovens adultos não conseguem lidar, porque não têm as ferramentas ou a experiência de vida adequadas.
Cada vez que leio um livro de John Green dou por mim a viajar no tempo e a analisar determinadas situações do meu passado que consigo compreender e aceitar muito melhor agora, e este é um exercício muito reconfortante e construtivo, que talvez não ocorresse tão conscientemente se não fosse despoletado pela leitura.  Assim, nem que seja por uma horas, cada história permite-nos voltar a uma época em que sentíamos tudo com muito mais intensidade e em que todas as possibilidades se abriam à nossa frente sem o peso do futuro que nos aguardava.

"Quando a Neve Cai" encaixa-se nesta descrição, embora não seja da exclusiva autoria de John Green. Juntaram-se-lhe Maureen Johnson e Lauren Myracle, cujas obras anteriormente publicadas também se destinam ao público mais jovem. Estes três autores escrevem três contos distintos, que podem e devem ser lidos por toda a gente, de todas idades. Só há uma recomendação: façam-no em época de Natal, de preferência aconchegados numa manta, em frente de uma lareira ou num sítio quente.

Do facto de serem três autores a escrever três histórias diferentes que se entrecruzam, no tempo e no espaço, podia resultar uma obra desconexa e atabalhoada. Mas na realidade o que resultou foi um livro que nos aquece o coração, que nos emociona e nos relembra do que está na base do espírito natalício: os laços de amor, amizade e lealdades que nos deviam unir durante o ano inteiro.

Oito rapazes e oito raparigas, cujos caminhos se cruzam inevitavelmente durante uma das maiores tempestades de neve que ocorreu nos últimos cinquenta anos naquela zona dos EUA, apaixonam-se, ultrapassam obstáculos, vencem fantasmas interiores, aprendem a olhar para dentro de si próprios e relembram-nos de que os finais felizes têm que ser construídos por cada um de nós - não nos são oferecidos como uma dádiva que é nossa por direito.


✰✰✰✰✰ (5 em 5)

quarta-feira, 19 de novembro de 2014

"Peripécias do Coração", de Julia Quinn


Peripécias do Coração é o segundo volume da série Bridgerton, de Julia Quinn. Mais uma vez, o único reparo a fazer é relativo à tradução do título, que em nada se assemelha ao original, que é muito mais adequado: The Viscount Who Loved Me

Iniciei a leitura sabendo mais ou menos o que esperar - uma história tão boa ou melhor do que a de Daphne e Simon, as personagens centrais de Crónica de Paixões e Caprichos (Série Bridgerton - Volume I).
As minhas expectativas não foram defraudadas e começo a ter a sensação de que todas as opiniões sobre esta série (que pela lógica deverá ser composta por oito volumes, um por cada irmão Bridgerton) serão muito semelhantes e favoráveis.

Entrar no universo dos Bridgerton começa a ser como regressar a um lugar familiar e reconfortante. Nesta história cruzam-se os destinos do libertino visconde Anthony Bridgerton (o irmão mais velho) e da destemida e inconvencional Kate Sheffield.
Mulherengo e adepto da boa vida, Anthony decidiu que é finalmente altura de assentar e não há melhor sítio para encontrar uma esposa adequada do que os bailes onde as jovens solteiras são apresentadas à sociedade. Por seu lado, as irmãs Sheffield precisam de fazer bons casamentos, que assegurem financeiramente os seus futuros. Das duas,  é Edwina (a mais nova e mais requisitada) que representa o ideal de beleza e perfeição femininas, o que faz dela a jovem mais requisitada da temporada.

Anthony não é exceção e também ele considera Edwina a "joia" da temporada. Esta Sheffield é a candidata perfeita a futura esposa: uma mulher doce, educada e recatada. Além disso, é lindíssima e só um tolo não a cobiçaria. No entanto, Edwina tem outra coisa a seu favor, da qual ninguém (muito menos as Sheffield) desconfia: Anthony sabe que nunca se apaixonará por esta mulher, que não lhe desperta qualquer sentimento além do respeito e da simpatia.

Kate está determinada em encontrar o marido ideal para Edwina, que anunciou a toda a alta sociedade londrina que não se casará sem a aprovação da irmã. No entanto, Kate já tomou uma decisão inabalável: todos os pretendentes serão considerados exceto o mulherengo e libertino visconde Bridgerton, do qual tem a pior das impressões.

Cedo deduzimos que Anthony e Kate estão destinados a ficar juntos, e parece-me que a intenção da autora nunca foi guardar este segredo do leitor.
Outros segredos (especialmente os que atormentam ambos os jovens desde a infância) vão sendo revelados ao longo da história, mas o que nos envolve mais uma vez é a atmosfera recriada por Julia Quinn, cuja escrita nos transporta com extrema facilidade para a Inglaterra do século XIX.
Página a página, volume a volume, os irmãos Bridgerton conquistam um lugar cada vez mais firme no nosso coração, ao ponto de haver momentos durante a leitura em que sentimos que eles fazem mesmo parte da nossa família. E de certa forma fazem, porque todos nós vamos adotando, aqui e ali, as personagens literárias que mais nos emocionaram e com as quais mais nos identificamos.

✰✰✰✰✰ (5 em 5)

terça-feira, 11 de novembro de 2014

"As Horas", de Michael Cunningham

A história de Michael Cunningham valeu dois Globos de Ouro nas categorias de Melhor Filme de Drama e Melhor Atriz (Nicole Kidman). Nunca vi o filme na expectativa de ler o livro, por isso não tinha nenhuma ideia pré-concebida acerca das personagens e do enredo.

É por demais sabido que Virginia Woolf é central n'As Horas, ficando a sensação de que esta é acima de tudo uma homenagem à escritora britânica e às suas lutas interiores, que a levaram ao suicídio, reconstituído no início deste livro.

Diagnosticada à distância como maníaco-depressiva, foi provavelmente essa natureza distorcida, neurótica e insana que inspirou Woolf a escrever as suas obras, entre as quais Mrs Dalloway, um dos elos de ligação entre todas as personagens:

- nos anos 20, a própria Virginia Woolf durante o tempo que esteve em reclusão em Richmond, nas primeiras horas em que começa a escrever Mrs Dalloway;
- no final dos anos 40, Laura Brown, uma dona de casa e mãe a tempo inteiro, casada com um herói da II Guerra, muito mais interessada em ler Mrs Dalloway do que em desempenhar os seus "deveres" domésticos;
- no final dos anos 90, Clarissa Vaughan, que partilha com a personagem do livro de Virginia Woolf o primeiro nome - Clarissa - e que é apelidada por Richard, um premiado poeta moribundo a quem está irremediavelmente ligada desde a juventude, de "Mrs. D", numa clara alusão à personagem de Mrs Dalloway.

O livro de Cunningham desenvolve-se em torno destes eixos, sendo postos em evidência temas como a bissexualidade e a homossexualidade (o autor é homossexual assumido) e a doença mental (a ideia de suicídio está sempre presente ao longo de toda a narrativa).

Além de só termos acesso ao que ocorre durante as horas de um único dia na vida destas personagens (à semelhança do livro de Virginia Woolf), Cunningham mimetiza o estilo literário utilizado por Woolf em Mrs Dalloway, o fluxo de consciência. É através da descrição dos pensamentos das personagens (que decorrem das suas impressões imediatas e não filtradas do real. ou do que para elas é naquele momento, naquela hora precisa, a realidade), que nos vamos apercebendo da ideia geral por detrás d'As Horas, e que pode ser resumida na seguinte citação (que considero ser uma das reflexões mais inquietantes que li nos últimos anos), retirada da página 221 do livro:


"Vivemos as nossas vidas, fazemos seja o que for que fazemos e depois dormimos: é tão simples e tão normal como isso. Alguns atiram-se de janelas, ou afogam-se, ou tomam comprimidos; um número maior morre por acidente, e a maioria, a imensa maioria é lentamente devorada por alguma doença ou, com muita sorte, pelo próprio tempo. Há apenas uma consolação: uma hora aqui ou ali em que as nossas vidas parecem, contra todas as probabilidades e expectativas, abrir-se de repente e dar-nos tudo quanto jamais imaginámos, embora todos, exceto as crianças (e talvez até elas), saibamos que a estas horas se seguirão inevitavelmente outras, muito mais negras e mais difíceis".

 

 

Foi esta frase de Cunningham que me obrigou a repensar tudo o que tinha lido até então, numa altura em que já tinha dado praticamente como perdido grande parte do tempo dispensado à leitura. Porque de facto este é um livro com uma densidade fora do normal, que exige do leitor um tipo de sensibilidade literária que não está ao alcance de qualquer um. De certa forma não estava ao meu alcance, razão pela qual fui lendo interpretações de ambas as obras - de Cunningham e de Woolf - numa tentativa de compreender o melhor possível o que ia lendo.

Este foi um livro que me custou muito ler e lembro-me de ir na página 50 quando lancei num fórum literário a seguinte pergunta: "sou só eu que não gosto do livro As Horas"? Curiosamente a maior parte das pessoas respondeu que tinha gostado muito mais do filme; muitas delas nem acabaram de ler o livro, e as que o fizeram não o recomendavam, tendo feito várias sugestões de leitura de outras obras do autor. Não desisti por teimosia - o livro não era assim tão grande.. ainda bem que acabei, porque a citação acima foi retirada da penúltima página e considero-a uma das coisas mais interessantes que li até hoje. Há livros assim, que nos transcendem e nos atropelam, quer gostemos deles ou não.

✰✰ (2 em 5)

segunda-feira, 10 de novembro de 2014

"A Cúpula: Livros I e II", de Stephen King

Comprei A Cúpula por impulso. Não lia Stephen King desde a minha adolescência, durante a qual devorei tudo o que eram livros de terror ou de ficção científica. Desde então, os meus gostos literários foram-se diversificando e o receio de já não me identificar com este tipo de ficção especulativa e alternativa fez com que fosse adiando a leitura destes livros, que foram ficando na estante, mês após mês. No entanto, com críticas tão unânimes, e a recorrente afirmação de que a história incidia mais sobre os comportamentos humanos do que a ficção científica propriamente dita, decidi que estava na altura de vencer o "preconceito".
E ainda bem que o fiz: A Cúpula é uma das melhores história de que me lembro de ter lido.

Na contra-capa somos alertados pelo New York Times de que «por mais difícil que seja pegar neste livro, é ainda mais difícil pousá-lo.»
Não podia estar mais de acordo. Os capítulos iniciais atingem-nos como um corpo estranho, pois ainda não estamos formatados para a ideia d'A Cúpula. No nosso imaginário dificilmente cabe uma realidade semelhante aquela que é criada por Stephen King: sabemos de senso comum que  não caem do céu cúpulas que isolam cidades do resto do mundo através de um campo de forças invisível e inexplicável. Simplesmente isso não acontece. No entanto, é exatamente isso que sucede em Chester Mill, uma pequena cidade do Maine (EUA). Num típico dia de Outono, igual a qualquer outro, há um avião que explode, partes de corpos que são decepadas, famílias que são separadas e acidentes rodoviários inexplicáveis. Ergue-se uma barreira entre Chester Mill e o resto do mundo, surge uma redoma transparente que cerca tudo e todos, e que vai transformar para sempre o quotidiano daquela pacífica comunidade.


Embora seja a ideia da cúpula que esteja no centro da história, na realidade é a forma como os habitantes reagem a esta nova circunstância que nos fascina durante as quase 1000 páginas que compõem este romance.
De um lado temos Dale Barbara (Barbie), um veterano da guerra contra o Iraque, que atualmente é um simples cozinheiro no restaurante Sweetbriar, e Julia Shumway, a diretora do jornal local; do outro, Big Jim Rennie, um político local em plena ascensão de poder e com uma ambição desmedida, e o seu filho, Junior Rennie, um rapaz belicoso e violento, mas sobretudo doente e desligado da realidade. Estas quatro personagens vão estar em confronto durante toda a história: Barbie e os seus apoiantes representam o bem e o que de melhor pode emergir do ser humanos em situações extremas, enquanto Big Jim é a encarnação do próprio mal, a prova de que a cegueira provocada pela sede do poder pode facilmente, e em situações limite, levar o homem a praticar atos bárbaros e tiranos.

Como afirma o crítico do New York Times, é difícil pegar neste livro, mas assim que ultrapassamos a resistência inicial, a ideia da cúpula torna-se irresistível. Simplesmente temos que saber se Chester Mill sobrevive ou não a este fenómeno inexplicável, que obviamente se vai revelando cada vez mais alienígena. Houve alturas em que senti que era um habitante de Chester Mill, quando na realidade não passava de uma leitora ansiosa por chegar ao fim de mais um capítulo.
Essa é a grande capacidade de Stephen King, considerado o mestre do suspense: deixar-nos permanentemente num estado de ansiedade que só pode ser apaziguado se progredirmos na leitura. As descrições são tão vividas, a atmosfera é tão verosímil e as sensações evocadas tão reconhecíveis, que facilmente nos embrenhamos no drama épico que envolve aquela comunidade: tomamos partidos, ficamos angustiados, tomamos como nossas as dores daquelas gentes e conseguimos perfeitamente imaginar como nos sentiríamos debaixo de uma improvável cúpula, separados do resto do mundo, sem escapatória.

Dividido em dois volumes por opção da editora, A Cúpula é um livro excelente, mas acima de tudo é uma história absolutamente fantástica, imperdível, saída da imaginação de um escritor que tem o talento invulgar de moldar o tempo e o espaço a seu bel-prazer, criando cenários que preenchem por completo as medidas da nossa imaginação.

Por fim, acrescento que a resolução do mistério por detrás da cúpula não é espetacular; não dececiona, mas também não deslumbra. O prazer deste livro está na própria leitura, no ato de ir descobrindo, página após página, os desenvolvimentos da história. Claro que queremos saber o que originou a cúpula, como é que ela apareceu e como é que ela desapareceu, mas só nos lembramos disso quando estamos mesmo a chegar ao fim e já não nos resta mais que saber sobre todos os habitantes de Chester Mill.
Ler depois d'A Cúpula é uma tarefa difícil!

✰✰✰✰✰ (5 em 5)

quinta-feira, 30 de outubro de 2014

"A Chuva Antes de Cair", de Jonathan Coe

Quando a crítica considera determinado livro uma "obra-prima" o leitor pode ficar desde logo condicionado pelas elevadas expectativas com que inicia a leitura. Por vezes, os livros aplaudidos pela crítica literária falham em chegar ao leitor comum, não provocando mais do que desinteresse ou irritação quando a leitura não avança ou é obstruída por uma aura de genialidade que simplesmente não é revelada com facilidade ao leitor comum.

No entanto, "A Chuva Antes de Cair" é uma dessas exceções, uma obra tão simples na sua escrita (e tradução), mas tão prenhe de significado, que arrepia, comove, emociona e deixa-nos a alma cheia de um tipo muito específico de contentamento que só o leitor compulsivo conhece.

Quantas realidades encerra uma fotografia? Quão verdadeiro é um sorriso quando esboçado para uma câmara? É possível olhar para uma fotografia décadas depois de ter sido tirada e reconstituir com precisão aquele instante? Ou estamos condenados a olhar o passado com os olhos da memória, construída e preservada por interpretações e sensações tão pessoais e intransmissíveis, que só nos permitem recuperar uma de muitas versões possíveis? Até que por vezes o real não é que o existe efetivamente e que é reconhecido por todos, mas antes aquilo que ara nós contém a verdade, a nossa verdade.

Vinte fotografias que nos vão sendo descritas, capítulo após capítulo, como se de um filme se tratasse. Com vestígios de história oral, o enredo vai sendo construído numa progressão cronológica e de tal forma o método utilizado pelo autor é bem sucedido que em alturas é possível ouvir a voz da narradora na nossa cabeça, como se tivéssemos sido nós a encontrar aquelas cassetes e estivéssemos confortavelmente sentados a ouvi-las, e não a virar compulsivamente as páginas na expectativa de descortinar todo o mistério em torno de Imogen, essa criança-mistério, rodeada de expectativa e redenção.

Este é um livro sobre a relação perversa que pode por vezes existir entre mães e filhas, pois nem sempre esse vínculo mítico se forja com naturalidade. É uma história de perdas sucessivas, de carências gritantes, de rancores viscerais e de trágicas escolhas. É também um testemunho da fatalidade da vida, uma lembrança de que nem sempre nos é possível controlar o que acontece nas nossas vidas, mesmo que o que se abata sobre nós decorra diretamente de erros de julgamento ou de decisões imprudentes. É também uma lembrança de que todos nós precisamos de nos sentir amados desde o dia em que nascemos, pois uma criança que cresce em profunda carência afetiva, enraíza dentro de si um sentimento de solidão e abandono que a irão marcar inexoravelmente para o resto da vida.

A sinopse é quanto basta para enquadrar o enredo: tudo o mais que se possa dizer sobre Rosamond, Beatrix ou Imogen é retirar a aura de mistério que paira sobre toda a narrativa e que envolve o leitor numa leitura compulsiva e inesquecível.

Quem optar por não ler este livro, pelo menos que fique a conhecer uma das passagens mais marcantes e que explicam um título que parece desadequado fora do contexto:

" ... «Claro que a chuva antes de cair não existe», disse ela. «E é por isso que é o meu tipo preferido de chuva. Uma coisa pode não ser real e, mesmo assim, pode fazer uma pessoa feliz, não pode?». Depois, correu para a água, com um sorriso arreganhado, deliciada com a imprudente vitória de uma lógica que era só sua", p. 133.

✰✰✰✰✰ (5 em 5)

terça-feira, 28 de outubro de 2014

"Crónica de Paixões e Caprichos", de Julia Quinn

O título "Crónica de Paixões e Caprichos" é totalmente desadequado a este primeiro volume da série Bridgertons (o nome da família em torno da qual se desenvolve o enredo). Teria sido preferível a editora optar por uma tradução mais literal do título em inglês - "O Duque e Eu". E este é o único defeito que consigo encontrar. Tudo o resto - a história, a recriação da época e as personagens - é delicioso.

O livro lê-se num instante, com uma facilidade que pode ser confundida com falta de profundidade ou conteúdo, mas que na realidade decorre da capacidade da autora (e, neste caso, da tradutora) em criar um enredo simples, cativante, mas repleto de pormenores e de referências que nos transportam instantaneamente para a alta sociedade londrina do século XIX.

Começamos a ler e de repente já não estamos em 2014, mas sim num salão de baile, em busca do par perfeito, de ouvido apurado para ouvir o último mexerico da temporada ou simplesmente encostada a um canto a observar o desfilar de belas jovens solteiras a cobiçar discretamente os atraentes (e solteiros) pretendentes que por lá fazem as suas aparições, em busca da esposa perfeita.

No início do livro somos apresentados ao pequeno Simon, herdeiro do ducado de Hastings, cuja personalidade ficou marcada por uma infância complicada e tortuosa. Para fugir de todo este legado familiar, um Simon já adulto parte à descoberta do mundo, fazendo inúmeras viagens pela Europa e pelo Hemisfério Sul, só retornando a Inglaterra quando recebe a notícia da morte do pai.
Este regresso não passa despercebido e, embora tenha jurado nunca se casar, Simon rapidamente se transforma no solteiro mais cobiçado da temporada - é um jovem duque muito atraente, rico e instruído, pelo que era inevitável que todas as mães casamenteiras da alta sociedade o quisessem como marido das suas filhas.

Num dos famosos bailes que caracterizavam a sociedade londrina do século XIX, Simon conhece
Daphne Bridgerton, que se sente esmagada pela pressão exercida pela matriarca da família (Violet), que não descansará enquanto não casar a sua filha mais velha. Daphne deseja ardentemente encontrar o homem dos seus sonhos, casar e ter filhos, mas não a qualquer custo. 
Rapidamente, os dois jovens apercebem-se de que a simulação de um noivado entre os dois é a solução para os seus "problemas". Só não contavam apaixonar-se um pelo outro.

É a partir deste ponto que a história ganha densidade e a mestria da autora está na sua capacidade de dosear o mistério, o romance, o humor e a crítica social de forma a que o leitor sente que a única alternativa que tem é ler compulsivamente até que não restem mais páginas para virar.
A boa notícia é que existem mais sete volumes, cinco dos quais já traduzidos para português, e ainda bem, porque quando terminamos a leitura desta "Crónica de Paixões e Caprichos" sentimos que já fazemos parte da família Bridgerton, e provocar este tipo de sensações num leitor não está ao alcance de todos os autores.

Julia Quinn, que já foi considerada a Jane Austen do século XXI, é uma grande contadora de histórias, que sabe precisamente como funciona o coração de uma mulher, atingindo em cheio os nossos pontos fracos, pelo que é praticamente impossível que uma alma romântica fique indiferente a este livro e que não se derreta, mesmo que secretamente, com a história de amor entre Simon e Daphne. 

✰✰✰✰ (4 em 5)




segunda-feira, 27 de outubro de 2014

"Union Atlantic", de Adam Haslett

Escrito nas vésperas da grande crise financeira do subprime, dos créditos de risco e da bolha especulativa e imobiliária, Union Atlantic é um livro sobre a economia mundial, mas também sobre pessoas, sobre os medos e as ambições que inexoravelmente vão regendo as vidas de cada um.

Iniciei a leitura deste livro com receio de não ter conhecimentos suficientes para compreender alguns termos técnicos que se adivinhavam: swaps, subprime, créditos de risco, etc. No entanto, o autor só recorre a uma linguagem mais técnicas quando é estritamente necessário e quando quer conferir autenticidade às suas descrições ou aos diálogos entre as personagens que estão diretamente ligadas ao mundo da banca e da alta finança.

A crítica aplaudiu a obra de Haslett precisamente pela contemporaneidade do tema escolhido: a crise económica que assentou na concessão de empréstimos de alto risco; a forma como a falta de regulação dos mercados (especialmente do Norte-Americano) levou à insolvência de várias instituições bancárias (que também estendiam a sua ação ao ramo dos seguros e da imobiliária); e a quebra de confiança geral no sistema financeiro após a crescente perceção de que a falta de liquidez no sistema não era uma possibilidade, mas sim uma realidade.

No meio deste furacão financeiro, entrecruzam-se as personagens de Union Atlantic: Doug Fanning, um jovem e ambicioso banqueiro, que fez fortuna a dirigir as operações financeiras de alto risco no "pequeno" império que é a instituição que dá nome ao livro; e Charlotte Graves, uma professora de História compulsivamente reformada, cujos esforços para recuperar a herança de família a colocam em confronto direto com Doug, numa cruzada jurídica com reviravoltas muito significativas.
Ainda assim, o antagonismo entre Doug e Charlotte é mitigado pelo que há de comum entre estas personagens que estão inexoravelmente unidas pelo caos em que se encontram as suas vidas despedaçadas, e a própria espiral de descontrolo que os envolve acaba por ter paralelo no próprio desgoverno em que se encontra o sistema financeiro.

O conflito entre Doug Fanning e Charlotte Graves é, na realidade, uma parábola, que ilustra a forma como a intromissão generalizada do dinheiro, do desperdício e da ostentação (como é referido pelo próprio autor) colidem inevitavelmente com os valores da justiça, da lealdade e da transparência.

O autor não optou por um fim moralista ou redentor. Acaba por não ser feita justiça no sentido literal do termo, pois não há condenações efetivas para os que perpetraram os crimes em causa, e o sistema mantém-se inalterado - aqui e ali somos alertados para as complexas relações que se forjam entre o sistema político e financeiro dos EUA, sendo evidente que o Capitólio e Wall Street funcionam em estreita cooperação.
Ainda assim, o desfecho é circular e o leitor fica com a sensação de que não ficam pontas soltas por atar: Doug pacifica-se com o passado e Charlotte acaba por conseguir exorcizar todos os seus demónios, mesmo que o seu destino acabe por ser o mais trágico de todos.

✰✰✰✰ (4 em 5)



segunda-feira, 20 de outubro de 2014

"Eu, Alex Cross", de James Patterson

O Alex Cross continua a ser o melhor detetive do mundo e James Patterson (na minha opinião) é um dos grandes nomes da literatura policial contemporânea.

Este 16º volume foi um dos meus favoritos, embora considere que o melhor de todos é o 1º - "A Conspiração da Aranha", o que deu origem ao filme com o Morgan Freeman no papel de Alex Cross, e o que causa maior impacto, pois é ele que nos põe em contacto pela primeira vez com esta personagem tão complexa e tridimensional.

Como em todos os livros de Patterson, os capítulos são muito curtos (alguns de uma única página), o que confere um ritmo ainda mais acelerado à narrativa e torna a leitura muito fluída e quase cinematográfica. Além disso, as premissas da história são explosivas: Alex descobre na noite do seu aniversário que a sua sobrinha (que não vê há mais de 20 anos) foi brutalmente assassinada, a dado momento percebe-se o claro envolvimento da Casa Branca numa situação que pode colocar em causa a própria Administração e a avó "Nana" também corre risco de vida e a vida do próprio detetive pode estar em risco, como já nos temos vindo a habituar.

"Eu, Alex Cross" é muito pessoal - talvez o mais pessoal de todos os volumes que li. É estabelecida uma nova familiaridade com a personagem central desta série e com todos os elementos da família, Bree incluída, a namorada que já o acompanha desde há alguns anos. É impossível ficar indiferente ao sofrimento do clã Cross durante a investigação do assassinato de Caroline Cross e da própria doença de Nana, a matriarca que todos os leitores já se habituaram a ver como a avó que todos gostavam de querer.

Aguardo com muita expectativa a publicação do próximo volume, que certamente vai ser devorado tão ou mais depressa do que este.

✰✰✰✰✰ (5 em 5)