Comprei A Cúpula por impulso. Não lia Stephen King desde a minha adolescência, durante a qual devorei tudo o que eram livros de terror ou de ficção científica. Desde então, os meus gostos literários foram-se diversificando e o receio de já não me identificar com este tipo de ficção especulativa e alternativa fez com que fosse adiando a leitura destes livros, que foram ficando na estante, mês após mês. No entanto, com críticas tão unânimes, e a recorrente afirmação de que a história incidia mais sobre os comportamentos humanos do que a ficção científica propriamente dita, decidi que estava na altura de vencer o "preconceito".
E ainda bem que o fiz: A Cúpula é uma das melhores história de que me lembro de ter lido.
Na contra-capa somos alertados pelo New York Times de que «por mais difícil que seja pegar neste livro, é ainda mais difícil
pousá-lo.»
Não podia estar mais de acordo. Os capítulos iniciais atingem-nos como um corpo estranho, pois ainda não estamos formatados para a ideia d'A Cúpula. No nosso imaginário dificilmente cabe uma realidade semelhante aquela que é criada por Stephen King: sabemos de senso comum que não caem do céu cúpulas que isolam cidades do resto do mundo através de um campo de forças invisível e inexplicável. Simplesmente isso não acontece. No entanto, é exatamente isso que sucede em Chester Mill, uma pequena cidade do Maine (EUA). Num típico dia de Outono, igual a qualquer outro, há um avião que explode, partes de corpos que são decepadas, famílias que são separadas e acidentes rodoviários inexplicáveis. Ergue-se uma barreira entre Chester Mill e o resto do mundo, surge uma redoma transparente que cerca tudo e todos, e que vai transformar para sempre o quotidiano daquela pacífica comunidade.
Embora seja a ideia da cúpula que esteja no centro da história, na realidade é a forma como os habitantes reagem a esta nova circunstância que nos fascina durante as quase 1000 páginas que compõem este romance.
De um lado temos Dale Barbara (Barbie), um veterano da guerra contra o Iraque, que atualmente é um simples cozinheiro no restaurante Sweetbriar, e Julia Shumway, a diretora do jornal local; do outro, Big Jim Rennie, um político local em plena ascensão de poder e com uma ambição desmedida, e o seu filho, Junior Rennie, um rapaz belicoso e violento, mas sobretudo doente e desligado da realidade. Estas quatro personagens vão estar em confronto durante toda a história: Barbie e os seus apoiantes representam o bem e o que de melhor pode emergir do ser humanos em situações extremas, enquanto Big Jim é a encarnação do próprio mal, a prova de que a cegueira provocada pela sede do poder pode facilmente, e em situações limite, levar o homem a praticar atos bárbaros e tiranos.
Como afirma o crítico do New York Times, é difícil pegar neste livro, mas assim que ultrapassamos a resistência inicial, a ideia da cúpula torna-se irresistível. Simplesmente temos que saber se Chester Mill sobrevive ou não a este fenómeno inexplicável, que obviamente se vai revelando cada vez mais alienígena. Houve alturas em que senti que era um habitante de Chester Mill, quando na realidade não passava de uma leitora ansiosa por chegar ao fim de mais um capítulo.
Essa é a grande capacidade de Stephen King, considerado o mestre do suspense: deixar-nos permanentemente num estado de ansiedade que só pode ser apaziguado se progredirmos na leitura. As descrições são tão vividas, a atmosfera é tão verosímil e as sensações evocadas tão reconhecíveis, que facilmente nos embrenhamos no drama épico que envolve aquela comunidade: tomamos partidos, ficamos angustiados, tomamos como nossas as dores daquelas gentes e conseguimos perfeitamente imaginar como nos sentiríamos debaixo de uma improvável cúpula, separados do resto do mundo, sem escapatória.
Dividido em dois volumes por opção da editora, A Cúpula é um livro excelente, mas acima de tudo é uma história absolutamente fantástica, imperdível, saída da imaginação de um escritor que tem o talento invulgar de moldar o tempo e o espaço a seu bel-prazer, criando cenários que preenchem por completo as medidas da nossa imaginação.
Por fim, acrescento que a resolução do mistério por detrás da cúpula não é espetacular; não dececiona, mas também não deslumbra. O prazer deste livro está na própria leitura, no ato de ir descobrindo, página após página, os desenvolvimentos da história. Claro que queremos saber o que originou a cúpula, como é que ela apareceu e como é que ela desapareceu, mas só nos lembramos disso quando estamos mesmo a chegar ao fim e já não nos resta mais que saber sobre todos os habitantes de Chester Mill.
Ler depois d'A Cúpula é uma tarefa difícil!
✰✰✰✰✰ (5 em 5)
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