Desde que soube que este livro tinha sido publicado que o quis ler e parti para esta leitura com enormes expectativas. Por um lado, o autor - Dave Eggers - tem sido muito elogiado pela crítica; por outro, só o título por si só é muito sugestivo, e o leitor não espera menos do que uma obra extraordinária, fruto de um assombroso génio.
Autobiográfica, pelo menos na sua essência, esta obra de não-ficção rapidamente nos transporta para o território do romance. A história de uma família órfãos improváveis e a ainda mais improvável história de um órfão de 22 anos que ficou responsável pelo seu irmão mais novo, Christopher, são premissas que nos prendem de imediato. A relação de Dave com o seu irmão Toph (a alcunha pela qual é conhecido) é ela própria assombrosa e genial, imatura e (ir)responsável, caótica e (dis)funcional, tumultuosa e ternurenta, tudo em simultâneo.
A história das doenças e das mortes dos pais de Eggers é-nos contada através de sensações e memórias soltas. Esta tragédia familiar ocorre em Chicago, cidade natal que todos abandonam de imediato, rumo a São Francisco, onde tem início uma nova vida familiar totalmente reconfigurada.
Nos anos 90, numa América em transformação, onde a Internet e os media começam a dominar o quotidiano, sobressai o idealismo próprio de quem tem 20 anos, se considera invencível e, de certa forma, destinado a grandes feitos. É este idealismo que está na base da criação da revista Might, outro dos eixos centrais deste livro. A Might foi fundada em São Francisco por Eggers e alguns amigos que já o acompanhavam nos tempos em que morava em Chicago e é um produto da chamada "Geração X", jovens intelectualmente transgressivos, com uma postura de desafio perante a geração anterior no que se refere à aquisição de direitos, à libertação sexual e à valorização da mulher.
Eggers está no meio de todo este turbilhão sociológico, mas forçosamente tenta proteger ao máximo a estrutura familiar que ergueu de raiz em torno do seu irmão mais novo, substituindo-se aos próprios pais, numa época em que o conceito de família está em simultânea decadência e transformação. Dave vê-se forçado a substituir o seu papel de filho pelo de pai, numa altura em que todos os valores, crenças e ideologias são postos em causa pelo advento da Internet, das novas tecnologias e de novos conceitos mediáticos, como o programa The Real World, da MTV, que vulgarizou o conceito de reality show, até aí desconhecido.
A história dos irmãos Eggers entrecruza-se, portanto, com a história da revista Might e com as estórias de uma série de outras personagens secundárias, que acabam por se transformar em personagens-tipo cuja função é ilustrar o que foi a década de 90 numa cidade que estava no centro de todas estas mudanças tecnológicas, sociais e comportamentais.
A grande mais-valia deste livro (e da própria história pessoal do autor) é ilustrar de uma forma tão original o modo como um pré-adulto de 22 anos conseguiu ser bem sucedido na missão de educar uma criança nos anos 90, onde tudo era novidade e possibilidade, passível de ser posto em causa, destruído e reerguido todos os dias, caso fosse necessário.
Gostei mais da ideia por detrás do livro do que do livro em si, que se torna de certa forma enfadonho e repetitivo no último terço. Gostava de ter ficado a conhecer melhor os outros irmãos de Dave (Beth e Bill), que acabam por se transformar em personagens secundárias, quase acessórias, como se as únicas unidades significativas fossem Dave e Toph.
Ainda assim, é uma leitura que vale a pena e a tradução é excelente, pelo que nunca senti ao longo do livro que o significado ou simbolismo de determinada situação ou referência se perdessem por não estar a ler o texto original.
✰✰✰ (3 em 5)
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